Indústria química e produtores de gás divergem sobre revisão das especificações do gás natural. IBP defende que flexibilização das regras permitirá aumento da produção de gás, mas Abiquim vê riscos na disponibilidade de etano para petroquímica.

Na semana, ANP aprova calendário novas regras de classificação de gasodutos; Petrobras contrata a retomada do Polo Gaslub; Gás Verde planeja expansão em biometano e busca investidor. E Scania amplia a oferta de caminhões a gás.

A revisão das especificações do gás natural, pela ANP, terá como pano de fundo o debate sobre o uso do gás como matéria-prima — e da própria oferta de molécula ao mercado. Ambos os assuntos estão na ordem do dia do programa Gás Para Empregar.

O etano é um dos componentes do gás natural — bem como o metano, propano e butano. Pelas atuais regras da ANP, a presença desses hidrocarbonetos no gás comercializado no país segue alguns limites pré-estabelecidos.

Produtores pedem a flexibilização das regras, sob a alegação de que podem ampliar o volume de gás no mercado. E aí entram em conflito com a agenda da indústria química, que teme que o Brasil desperdice, assim, o potencial de uso do etano como matéria-prima.

A conta, em tese, é essa: com a flexibilização dos limites, os produtores podem aumentar o teor de etano no gás vendido no mercado, sobrando menos etano para a petroquímica.

Essa preocupação está presente no relatório preliminar da análise de impacto regulatório da ANP. A agência cita o risco de que a iniciativa acabe reduzindo investimentos em processamento de gás — e que o etano acabe sendo queimado, sem separação.

A Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) também receia que os custos com o tratamento do gás recaiam sobre o setor químico.

“Entendemos que, se o gás não é tratado na origem, transferimos para o mercado todos esses riscos e todo esse custo associado ao não adequado tratamento dele na origem”, afirmou a diretora de Economia e Competitividade da Abiquim, Fátima Giovana Ferreira, durante seminário da ANP.

“E o gás não devidamente tratado também queima uma valiosa matéria-prima, que é o etano”. Ela defende, ainda, que o uso do gás como matéria-prima demanda estabilidade.

Gás para indústria

O etano é matéria-prima nobre para produção de eteno, na cadeia de plásticos. No Brasil, é usado na planta da Braskem no Rio de Janeiro. A indústria petroquímica nacional, em sua maior parte, no entanto, consome nafta como matéria-prima.

Mas o setor vê potencial de expansão do mercado de etano no Brasil. Em especial, mira as novas rotas do pré-sal, na expectativa da chegada de um gás a preços competitivos.

“Não podemos admitir que o Brasil seja importador de 85% da nossa ureia. Não somos competitivos para produzir amônia, produto base da ureia brasileira. Sabemos o quanto é importante a nossa vocação para alimentar não só todos os brasileiros e brasileiras, mas todo mundo”, disse o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silvera, ao lançar o Gás Para Empregar.

Não há ponto pacífico

Ao tratar do debate sobre a revisão das especificações, em 2020, o Comitê de Monitoramento do Novo Mercado de Gás contestou o argumento de que a flexibilização nas regras da ANP traz riscos à oferta de etano.

Alegou que a UPGN Cabiúnas (RJ) operava, na ocasião, com capacidade de separação de etano ociosa.

E lembrou que, em 2008, a ANP já havia elevado de 10% para 12% o limite de etano no gás natural, sem prejuízo ao fornecimento do insumo para a central petroquímica do Rio de Janeiro — “que se manteve como opção comercial, e não como resultado de imposições normativas da agência reguladora”.

O comitê concluiu que, mesmo que as regras mudem, a “oferta de etano tende a continuar sendo resultado da decisão comercial de seu produtor vis-à-vis a demanda pelo insumo” — ou seja, definida pela livre negociação.

Crescimento da oferta

A flexibilização das especificações é um pleito dos produtores, representados pelo Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP) e Petrobras. Eles alegam que as reservas do pré-sal têm teores de hidrocarbonetos diferentes daqueles tradicionalmente presentes no pós-sal e que basearam a resolução vigente.

Os atuais limites, segundo os produtores, exigem investimentos adicionais na adequação da infraestrutura de processamento, para separação das correntes do gás rico — o que pode limitar a oferta.

A intenção da ANP é publicar uma nova resolução sobre as especificações até o fim do ano. Três opções regulatórias estão na mesa, hoje, da ANP:

- Manter os atuais limites estabelecidos, de, no mínimo, 85% de metano; no máximo, 12% de etano; 6% de propano; e 3% de butano;
- Manter os atuais limites, mas prever mecanismo que autorize sua alteração em casos específicos, por meio de atos administrativos;
- Acabar com os limites à composição do gás — como defendem os produtores.

O IBP defende que as regras atuais engessam a produção do pré-sal — porque demanda adequações nas unidades de processamento.

A flexibilização, por sua vez, estimularia o aumento da oferta de gás ao mercado — um dos pilares do programa Gás Para Empregar.

Os produtores citam um caso real: o aval da ANP à flexibilização dos teores mínimos de metano na Unidade de Tratamento de Gás de Caraguatatuba, por exemplo, permitiu à Petrobras aumentar a oferta de gás ao mercado, por meio do Rota 1.

Argumentam que o Brasil é um dos poucos mercados que traça limites aos teores de hidrocarbonetos presentes no gás e que a proposta não prevê alterar de forma drástica a qualidade do gás — ou seja, abre-se espaço para ajustes nos teores de metano, etano, propano e butano, mas sem mudar os parâmetros físico-químicos e limites de contaminantes e inertes.

E rebatem, assim, as críticas da Abiquim e da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), de que a flexibilização das especificações pode afetar o desempenho dos equipamentos dos consumidores.

Além do cuidado com a qualidade do gás, a Abegás defende que a ANP precisa considerar os efeitos da revisão das especificações sobre a regulação de uma forma mais geral do setor. O assunto em discussão, segundo a associação, pode influenciar diretamente a injeção do hidrogênio e biometano nos gasodutos, no futuro.

O diretor de Estratégia e Mercado da Abegás, Marcelo Mendonça, também ressalva que a revisão das especificações, por si só, não garante um aumento da oferta de gás.

“É necessário o gas release e a construção de infraestrutura em conjunto com políticas públicas de estímulo à demanda”, defende.

fonte: EPBR, escrita por André Ramalho
imagem: Envato Elements, por seventyfourimages