O economista-chefe de XP Investimentos, Caio Megale, 45 anos, disse em entrevista ao Poder360 que o país larga atrás de seus pares emergentes na retomada da economia global em 2021. Entre as desvantagens estão o inexistente espaço orçamentário para continuidade dos estímulos fiscais e o calendário ainda indefinido de vacinação contra a covid-19.
De acordo com o analista, que foi integrante do governo Jair Bolsonaro, o Brasil entrou na crise econômica provocada pela pandemia com “a corda no pescoço”, diferente de outros países que fizeram o “dever de casa” de controlar os gastos públicos e a relação dívida/PIB (Produto Interno Bruto).
Megale afirmou que, durante 2020, o governo elevou de forma significativa os gastos e conseguiu mais do que recompor a renda das pessoas que receberam auxílios financeiros, como, por exemplo, o coronavoucher. Mas, para 2021, com o equilíbrio fiscal e macroeconômico do país em xeque, não há recursos suficientes no plano orçamentário do governo para manter os pagamentos, exceto se as leis de responsabilidade fiscal forem revistas.
No setor privado, Caio Megale passou pelo Banco Itaú (2011-2016), Mauá Investimentos (2005-2010), Gávea Investimentos (2003-2005) e Lloyds Asset Management (1997-2003).
Foi secretário da Fazenda do município de São Paulo de 2017 a 2018. No governo Jair Bolsonaro, assumiu a secretaria de Indústria e Comércio Exterior do Ministério da Economia em 2019. Também foi assessor especial do ministro Paulo Guedes e diretor de programas na Secretaria Especial de Fazenda. Deixou a pasta para voltar a São Paulo e à iniciativa privada.
CRESCIMENTO ECONÔMICO E VACINAÇÃO
O economista-chefe da XP disse que, mesmo com as dificuldades fiscais, o país deverá ser beneficiado com o movimento de crescimento econômico global. Países ampliaram a injeção de recursos e estímulos monetários, o que deve dar suporte para a retomada da atividade dos principais mercados internacionais e da América Latina, segundo ele. Megale estima expansão de 3,4% no PIB em 2021.
“Não é um crescimento brilhante”, disse, ao comparar com a forte retração da economia no ano anterior (superior a 4%, segundo projeções do mercado). “Mas é uma sensação que mantém a retomada”, completou.
De acordo com ele, com o fim do pagamento do auxílio emergencial e do benefício de manutenção do emprego, haverá uma queda “natural” do consumo na economia. O ritmo de retomada econômica que, segundo o analista, vinha forte no 2º semestre de 2020, tende a desacelerar no início deste ano. As vendas do comércio devem arrefecer e, conforme o isolamento social for reduzido e a economia for se normalizando, a produção de produtos na indústria deve recuperar. Por fim, o setor de serviços crescerá com a volta gradual das atividades.
Ele disse, porém, que o pagamento de um benefício social não é a prioridade do governo atualmente, que deve focar sua atenção para a imunização da população. De acordo com ele, o calendário para a vacinação contra a covid-19 ainda está indefinido. “Eu estou muito mais preocupado com covid e vacina do que o fim do auxílio emergencial, que cumpriu o seu papel e transferiu muita renda às classes que precisava. A desaceleração do varejo é até esperada. Se nós queremos retomar o emprego, investimento e consumo, o foco é na vacinação e normalização da economia”, afirmou Caio Megale.
BRASIL SAI ATRÁS NA CORRIDA
Numa corrida contra as outras nações, o Brasil seria um “bom atleta”, segundo o economista-chefe da XP Investimentos. “Mas tem uma bola de ferro no pé que nós vamos ter que carregar por um bom tempo ainda”, afirmou. Caio Megale se refere ao peso do desajuste fiscal e do custo Brasil, que limita a capacidade de produção e negócios no país.
“Alguns estímulos estão sendo descontinuados, como o auxílio emergencial, a política fiscal tende a ficar mais contracionista e o quadro da covid não está muito claro. O quadro que tínhamos até outubro com os casos em queda se reverteu. A nossa perspectiva de vacina não é tão clara e não tão bem pavimentada como em outros países, de forma que esse efeito da covid combinado com a necessidade de redução dos estímulos emergenciais deve provocar uma desaceleração [na economia brasileira]”, disse o economista.
O governo federal conseguiu dar estímulos no momento mais crítico da pandemia, em 2020. Só que a capacidade de continuar dando ajuda financeira, como outros países estão fazendo, é muito mais limitada. “A nossa dívida é muito mais alta que de outros países emergentes, de forma que o financiamento dessa expansão fiscal é muito mais complexa para o Brasil. Essa redução do auxílio acaba sendo necessária até para manter juros baixos e manter a estabilidade da economia para frente, que, na verdade, é o que vai pavimentar a retomada a prazos mais longos”, disse.
PRESIDÊNCIAS NO CONGRESSO E PAUTAS PRIORITÁRIAS
Na visão do economista, o Ministério da Economia precisa dar uma sinalização clara da sua agenda prioritária e, não menos importante, o governo federal tem que estar na mesma página que a pasta comandada por Paulo Guedes. Há críticas de que pouco tem se avançado em pautas liberais nos últimos meses. O ministro chegou a citar supostos acordos para barrar o avanço de privatizações envolvendo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Para Megale, as pautas prioritárias são:
-PEC Emergencia – para “blindar” a governança fiscal e melhorar a capacidade do Executivo em priorizar as despesas;
-reforma tributária – com objetivo de aumentar a produtividade e dar eficiência para o ambiente de negócios.
De acordo com o economista-chefe da XP Investimentos, o governo tem que aproveitar esse início de ano, logo depois das eleições para as presidências da Câmara e Senado, e focar nas reformas que são importantes.
“O mercado confia que, pelo menos no curto prazo, o governo vai ser capaz de manter o teto de gastos. Esse ano de 2021 está bastante apertado. […] Mas, quando nós pensamos em perspectivas fiscais, principalmente para um país tão endividado quando o nosso, e com juros altos, temos que olhar a questão de sustentabilidade“, afirmou Megale. “Temos que sinalizar para quem investe, para quem produz e para quem emprega no Brasil que ao longo do tempo a inflação vai ficar controlada e os impostos não vão subir”, completou.
O analista disse que, via de regra, é o Executivo que lidera a agenda econômica. “A postura de jogar ao Parlamento e esperar que as coisas se resolvam lá tende a ser mais demorada e turbulenta”, declarou. De acordo com ele, é difícil saber quando o mercado pode começar a questionar o atraso no andamento das medidas mais necessárias no Congresso.
Por isso, operadores do mercado financeiro acompanham e repercutem nos preços dos ativos as declarações dos postulantes aos comandos da Câmara e Senado. Para Megale, a preferência é por uma agenda mais reformista, independente de quem estará a frente das Casas Legislativas.
“Uma presença mais alinhada do governo pode aprovar medidas mais ligadas à pauta econômica, mas também tem uma série de medidas que podem aparecer das outras forças políticas que estão de volta desta candidatura. E a mesma coisa numa candidatura de oposição ao governo. Pode ser que, num 1º momento, a discussão com o Executivo seja um pouco mais difícil, mas a pauta é da sociedade”, afirmou. “Não significa que a agenda mais reformista está com essa ou aquela candidatura. A gente só vai saber disso depois das eleições”, acrescentou.
fonte: Poder 360, escrita por Hamilton Ferrari